Muito se tem falado sobre a revolução do home office na dinâmica das empresas. Nós mesmos, aqui na Mobili, passamos por uma série de discussões sobre as oportunidades e desafios do trabalho remoto. Dentre as preocupações, precisávamos ser assertivos em nossas recomendações aos nossos clientes. Mais do que isso, precisávamos trazer respostas não apenas à crise, mas em como implementar um novo modelo que servisse aos novos tempos, não apenas no curto prazo, mas para o futuro das empresas nos próximos anos.
Em abril de 2020, no auge da quarentena causada pela COVID-19, publicamos um artigo intitulado “Não se trata apenas de transformação digital”, onde chamávamos a atenção para a intrigante diferença de desempenho das empresas em que atuamos diante da necessidade de trabalho remoto. Naquele momento, destacamos a importância de uma cultura digital presente em vários aspectos da organização e que não bastava a empresa disponibilizar boas tecnologias para se trabalhar remotamente, havia algo intrínseco que impactaria mais no sucesso de qualquer nova dinâmica de trabalho. Falamos de uma visão sistêmica da organização que trouxesse coerência aos processos, hábitos, modelo de gestão e, principalmente, uma visão única para as transformações que precisam ser empreendidas no negócio. O artigo completava: “(…) é a harmonia entre estratégia, cultura, processos e tecnologias que constrói negócios verdadeiramente consistentes e preparados para transpor desafios por aí afora.”
Surpresos pela repercussão do artigo e, mais ainda, intrigados com a nova pauta em discussão nas empresas e em como poderíamos aumentar o desempenhos dos nossos negócios, iniciamos Junho/2020 com uma série de preparações para a volta à normalidade possível dentro dos limites dos escritórios. Já com a certeza da necessidade de retomada à máxima produtividade dos negócios sem se perder de vista os cuidados com a saúde de todos, nos provocamos a tentar entender qual seria a nova dinâmica de trabalho das empresas não para os próximos meses, mas nos próximos anos.
Esse questionamento nos trouxe a ideia de um possível novo modelo ideal de trabalho que denominamos “Modelo Híbrido de Trabalho”, onde refutamos a ideia de ter que fazer uma escolha forçada entre trabalhar 100% escritório ou 100% home office.
No modelo híbrido, perseguiríamos uma nova rotina de trabalho que combinaria a agenda de toda a empresa para garantir a presença física de todos os colaboradores em determinados dias da semana, preservando relacionamentos, a troca, o olho-no-olho e algumas dinâmicas de co-criação em que a presença física se mostra mais eficiente para o desempenho do trabalho, construção de elos de confiança e solidificação de uma cultura corporativa.
Contudo, o home office, despertado em massa nos últimos meses, também deixou legados que não podem ser ignorados. Uma maior autonomia, senso de auto-organização e a necessidade de disciplina aceleraram uma transformação cultural para as próximas décadas do mercado de trabalho. A queda das barreiras físicas para execução do trabalho escancarou o valor do capital humano, do trabalho intelectual, a premência da informação como nova matéria-prima produtiva e a tecnologia se tornando tão indispensável quanto o uso de roupa para se trabalhar.
Mas o mundo prefere o preto-e-branco ao cinza, e já notamos correntes de empresas que defendem posições radicais para um lado ou outro, como se estivéssemos condenados a escolher entre a empresa atuar apenas de uma única forma. Esquecemos por vezes que o mundo atual traz inúmeras possibilidades de reorganização.
Evidentemente, é mais fácil realizar uma escolha simplista, explicar e comunicar todos os colaboradores, clientes, fornecedores e imprensa de que a empresa optou pelo home office até o fim do ano; ou, noutro extremo, baixando uma diretriz de que a empresa volta às atividades em escritório a partir do mês que vem.
O mais complexo, contudo, é repensar a estrutura ideal de trabalho, encontrar um novo modus que aproveite o melhor do home office associado à uma dinâmica criativa e produtiva dentro dos limites do escritório.
Com esse intuito, mergulhamos fundo nessa questão de modo a preparar nossas empresas para o Modelo Híbrido de Trabalho, buscando redefinir os conceitos de uso do escritório, planejamento de novas rotinas organizacionais e garantindo a máxima sincronia das atividades entre colaboradores.
Nessa caminhada, uma questão essencial deve ser respondida: como planejar, desenhar e implementar essa nova rotina na organização?
Para esta construção, partimos de alguns princípios:
1. Determinadas atividades são melhor desempenhadas em conjunto e presencialmente, tais como: dinâmicas que envolvem a co-criação de novos projetos, desenvolvimento de ideias e estratégias de negócios. Não à toa, tivemos a crescente adoção de práticas como Design Thinking, War Rooms, Salas de Criatividade e Momentos de Imersão para planejamento anuais. Em comum nessas práticas está a ideia de reunir as pessoas em um único ambiente para facilitar a troca, construção e tomada de decisões.
2. Há atividades melhor desempenhadas individualmente em casa ou fora do escritório, uma vez que requerem concentração, tranquilidade e onde a escolha pelo profissional do melhor local e momento do dia para realizar faz toda a diferença para melhor desempenho da tarefa. Exemplos disso são a realização de planejamentos para atingimento das metas individuais, construção de relatórios, trabalhos analíticos, redação de textos e artigos, preparação para reuniões em clientes ou apresentações, etc.
3. A construção de culturas empresariais sólidas é um exercício coletivo totalmente dependente da qualidade dos relacionamentos e comunicação interna da organização. É evidente que o escritório enquanto “quartel-general” participa dessa construção, seja reunindo as tropas, criando senso de dever e coletividade, enfatizando o propósito de existir e a própria identidade de grupo. Em certos casos, o escritório e seus ícones físicos (arquitetura, logo, cores, etc.) se tornam símbolos dos valores pregados na empresa. Esse reforço positivo sempre foi um dos principais artifícios usados há décadas por grandes marcas corporativas na construção de suas identidades. Para pequenas e médias empresas, com suas identidades ainda embrionárias, o fator escritório se torna ainda mais decisivo. Inegavelmente, a cultura corporativa é um dos ativos mais importantes de qualquer negócio, como já tratamos em artigos recentes de nosso blog tais como em “Cultura não se constrói de um dia para o outro.” ou em “Fortalecendo a cultura nas empresas em tempos de incerteza.”
4. Autonomia e a responsabilidade de cada um. Ao mesmo tempo em que falamos de cultura, temos que considerar o desenvolvimento do espírito de autonomia e responsabilidade individual dos nossos profissionais. Enquanto células de um tecido organizacional, cada colaborador deve ser capaz de desempenhar suas funções individuais, tendo recursos próprios para tal e pontos de comunicação com o sistema organizacional. Nesse sentido, o home office testa nossas pessoas, suas autonomias e a própria capacidade de comunicação dos nossos sistemas organizacionais.
5. Se temos vantagens estratégicas que podem ser capturadas tanto no modelo home office como no trabalho a partir do escritório, não faz qualquer sentido abrir mão de uma dessas modalidades como padrão dentro da rotina empresarial. É preciso considerar o Modelo Híbrido como o futuro dos sistemas de trabalho das empresas.
Denominamos de Modelo Híbrido de trabalho a forma de organização da agenda interna da empresa contemplando sua rotina de atividades, reuniões e compromissos programados, tendo como padrão a conciliação de agendas que acontecem dentro do escritório assim como outras que devem ocorrer fora dele, de modo a otimizar o desempenho geral do negócio.
Os fatores a serem consideradas na construção do nova rotina:
1. A Cadência de Gestão da empresa: independentemente de qual modelo será adotado, a empresa precisa ter clara e bem definida sua governança, em especial com uma agenda pré-definida de reuniões gerenciais de vendas, operações, financeiro, reuniões de líderes e diretoria, reuniões de conselho e acionistas. Esse é o ponto de partida a ser considerado na definição de como se desenvolverá a nova agenda híbrida.
2. As Diferentes Necessidades por área funcional e por tipo de atividade do negócio: é fundamental mapear as diferentes realidades entre as áreas. Tradicionalmente, as áreas operacionais necessitam estar presentes praticamente 100% do tempo, enquanto áreas como a comercial possui muito mais liberdade para atuar à distância.
3. Os Pontos de Contato com stakeholders externos: é importante mapear as necessidades de contato com clientes, fornecedores e parceiros e em como podemos aprimorar a experiência que a empresa oferece a cada um desses stakeholders.
4. Os Valores que a empresa pretende fortalecer em sua cultura: a ênfase e ousadia que a empresa irá adotar na construção da nova rotina híbrida de trabalho está diretamente relacionada a quão autônoma, empreendedora, digital, inovadora a empresa pretende se posicionar. Em contrapartida, a empresa que tenha tradição, solidez e relacionamentos interpessoais no coração da sua cultura deve necessariamente ser mais cautelosa na adoção do trabalho remoto e, portanto, fazer uma transição mais paulatina. Os valores essenciais da cultura precisam ser levados em conta nessa construção.
5. O Nível de maturidade atual da cultura, dos processos, da tecnologia e do modelo de gestão da empresa: devemos sempre considerar a realidade atual do negócio. Não adianta uma empresa querer tirar proveito partindo para um modelo híbrido sem haver as bases mínimas de sustentação para tal. Há que se considerar que nem todas as organizações estão em condições de fazer esse movimento. Não temos como fazer funcionar um trabalho remoto se a empresa mesmo que presencialmente possui muitas falhas em processos, ineficiências tecnológicas, uma cultura pouco coesa ou um modelo de gestão indefinido. Uma maturidade e estabilidade mínima nesses pilares são pré requisitos.
5. O Momento vivido pela empresa e sua capacidade em sustentar uma mudança dessa natureza: grandes transformações requerem energia e liderança. Em tempos de crise, muitas empresas já enfrentam outros desafios que podem afetar a própria sobrevivência do negócio. Devemos levar em conta que há momentos mais adequados para se empreender mudanças estruturais em hábitos e rotinas enraizados da operação. Escolher um momento propício indubitavelmente aumentam as chances de sucesso nessa transição para o modelo híbrido de trabalho.
Como implementar um modelo híbrido de trabalho em sua empresa?
Observados os 6 fatores acima, a liderança da empresa deve:
1. Definir dias fixos na semana com a presença obrigatória no escritório de todas as áreas e a maioria dos colaboradores. Esses dias serão utilizados para as atividades que devem ser realizadas em conjunto entre áreas, tais como Design Thinking, War Rooms, Salas de Criatividade e Momentos de Imersão para planejamento sejam eles mensais, trimestrais, anuais.
2. Instituir reuniões e fóruns inter-áreas para garantir o melhor alinhamento interfuncional e o fluxo de informações capilarizado dentro da organização. Reuniões como Marketing integrado, Vendas-PCP-Operações e Planejamento Semestral devem estar na pauta.
3. Alinhavar todas as metas e indicadores da empresa de modo que todos os colaboradores e departamentos saibam o que precisa ser feito, onde quer que eles estejam. Essas metas precisam estar correlacionadas entre si e dimensionadas de forma que todos remem na mesma direção, velocidade e sincronia.
4. Planejar a Estrutura física e tecnológica. Se o escritório servirá como quartel-general para colaboração e trabalho coletivo, este deve ter como premissa uma arquitetura física e elementos audiovisuais que potencialize brainstorming, reuniões de trabalho, fóruns de discussão, etc. Ao mesmo tempo, o espaço de trabalho em casa deve ser adequado, reservado para momentos de produção, concentração, video chamadas, etc. A organização precisa contar com sistemas integrados de gestão, base de dados única e tecnologias para acompanhar e monitorar em tempo real o desempenho do negócio, tudo acessado pela nuvem, remotamente. Sem dúvida, sistemas de email, mensageria, telefonia IP entram como requisitos mínimos tecnológicos para sustentar uma comunicação fluída.
5. Momentos de Confraternização e Coffee Cups. Além de toda a organização, foco na gestão e cadência de reuniões da empresa, temos que pensar em tempos de interação entre as pessoas ou mesmo tempo livre para que elas possam interagir e trocar ideias, terem um tempo de bate papo, construção de elos de confiança que servirão de base na construção do espírito de equipe.
Versatilidade e Crescimento
Toda grande inovação surge a partir de restrições impostas que nos tiram da inércia antes vigente. A necessidade de vencer a “guerra fria” levou o homem à lua, superando as barreiras tecnológicas até então. Nas nossas organizações, o mesmo fenômeno acontece. Voluntária ou involuntariamente, quando impomos restrições aos nossos negócios nos forçamos a repensar os modelos e sistemáticas de trabalho atuais. Este exercício intelectual é o que traz os saltos tecnológicos e de produtividade dos nossos sistemas organizacionais.
A provocação que o home office trouxe, desafiando as nossas rotinas de trabalho até então, foi de grande valia para que se repense, para as próximas décadas, qual a dinâmica produtiva que se mostrará mais eficiente no futuro. Esta corrida em busca da organização eficiente nos guiou até o Modelo Híbrido de trabalho, e este nos conduziu a delinear os passos necessários para esta transição para um modelo mais inovador, ágil, flexível e atual. Este texto acima foi resultado de nossas experiências práticas implementando esta nova realidade nas empresas, o que trouxe resiliência e versatilidade na execução dos processos, visibilidade dos resultados e produtividade individual, valorização dos momentos de trabalho em conjunto, senso de autonomia e empreendedorismo e reforço da própria cultura dessas organizações, fortalecimento da governança, intensificação do uso de tecnologia nas áreas e atividades gerando um aumento significativo na produtividade da organização como um todo.
Mais do que ganhos concretos e imediatos, o Modelo Híbrido ampliou o horizonte dessas empresas, derrubando uma série de barreiras físicas que antes limitavam seus crescimentos. A queda de muros liberta caminhos.
Por: Rafael Zacharias e Suelen Alice da Silva